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Que sentimentos te visitam?

Atualizado: 25 de jan. de 2023

Um novo dia chega, acordamos, tudo aparentemente está bem. Estamos organizados, temos nossa agenda a cumprir, eis que de repente nos damos conta que estamos ansiosos. Uma raiva, uma tristeza, algo inominável num primeiro momento. Quando nos damos conta, aquilo já está alojado há tempos...

Há quanto tempo convivo com essa solidão? Quantas horas do dia passo sem estar ansioso?


Proponho trazer aqui um olhar sobre os diferentes sentimentos que nos visitam, pensaremos eles como forças. Tudo isso vem a nós, mas não nos contém por inteiro.


Vamos nos pensar como alguém que recebe esses sentimentos e não os detentores e responsáveis por sua criação. Os sentimentos existem: ciúmes, raiva, tristeza, inveja, solidão, injustiça, impotência, desconfiança, medo.. a lista é interminável.


Com a predominância do EU como senhor da razão, a ilusão moderna de que somos uma única coisa e estamos no controle, passamos a nos definir através desses nomes:


Dizemos eu sou ciumenta, fulana é invejosa… e por aí vai. No entanto, essa outra possibilidade traz a ideia de que essas forças visitam a todos nós em diferentes momentos da vida. Se a vida é um caminho de integração, para que possamos nos tornar o todo que somos, é natural que tudo que há disponível para o mundo humano venha nos visitar em algum momento. É humano sentir as coisas mais belas e mais horrendas existentes. Talvez seja difícil aceitar o peso de sim estar sujeito a tudo isso, mas esse seria outro papo.


De maneira comum, o que nos acontece por estarmos desconectados de nosso interior é não percebermos quando essas visitas chegam. Como não percebemos, não conseguimos identificar como surgem e encontrar esse espaço de diálogo antes que nos tomem. Quando a percebemos, já estamos imersos e identificados. Assim, essas forças crescem perante nós. De repente, já estamos muito tristes, já nem sabemos o motivo, quando começou e podemos entrar em um fluxo de pensamento de “puxa, como sou triste”, “de novo, nossa, eu nunca estou bem, o que eu preciso ficar bem, será que vai ser sempre assim…” e uma infinidade de pensamentos que apenas nos puxam ainda mais para o mundo da tristeza.


Essa identificação costuma ter dois caminhos: o primeiro seria um pouco do que escrevi no parágrafo acima: algo como “Eu sou isso!”. Eu sou triste, sou assim mesmo, sempre serei. Ó céus, ó vida. Passo a ver a mim e ao mundo a partir dessa lente e assim, reduzo a minha existência. Me torno apenas uma parcela de mim, porque sou “apenas” aquilo. O que vai dividindo o mundo interno e por consequência externo e criando movimentos simbolicamente separatistas, o que claro, não nos leva à integração ou unidade.


A segunda seria a negação. “Eu não posso ser isso!!!”. Então, preciso combater a todo custo aquele sentimento que me visitou. Me convenço de que sou feliz, preciso ser ainda mais feliz, posso tomar remédios para não me sentir triste, posso me ocupar para não parar um segundo e não ter oportunidade para sentir o que sinto. Claramente, ambos os caminhos levam à dualidade. Levam a uma divisão entre isto e aquilo e não nos ajuda a lidar com todas as emoções e sentimentos humanos que vão aparecer em algum momento da vida.


O que fazer então?


A proposta aqui é primeiro reconhecê-las como forças maiores que nós e digamos que com vontade própria. Elas vão vir em algum momento e o que podemos fazer é receber sua visita. Quando alguém bate em nossa porta, nós em geral, abrimos ou pelo menos olhamos pela janela para ver quem chega. Podemos só olhar, podemos convidar para entrar, oferecer um chá… Mas não deixamos que tomem conta da casa. Assumimos um papel ali e nos incomodamos se ela ocupa mais espaço do que deveria. Se por exemplo a visita passar mais noites do que combinado.. se colocar os pés sujos na nossa cama… Não aceitamos desaforo em nossa própria casa, certo?


Então, a ideia é nos pensar como essa casa, quem sabe no papel de uma boa governanta.


A governanta está ali, buscando cuidar daquele espaço da melhor maneira possível, porém ela não sabe quem vem, quem vai, nem qual tamanho da casa. Quanto mais ela for trabalhando ali, mais vai entender como funciona esse local. Esses visitantes ou moradores são esses sentimentos/forças que falamos e às vezes algum deles vem incomodá-la. Todos sentem-se muito importantes, todos acreditam piamente que têm alguma sabedoria.


Ela tem muito a aprender com eles, pois ela não conhece muito bem a casa. Quanto mais estiver em contato, ouvi-los e compreendê-los, melhor a casa ficará. No entanto, a governanta precisa também de seu espaço e precisa zelar por ele. Encontrando as melhores maneiras de lidar com esse pessoal preservando também a si. Pois essas visitas podem ser insistentes e se tornarem desagradáveis, pois não vamos esquecer que elas se sentem bem importantes e não necessariamente sentem o mesmo pela vizinha que habita o outro cômodo.

Desenho de uma governanta numa casa com quadros em volta
Com quem eu falo primeiro?

Cabe a governanta nem ignorá-las, nem deixar que ocupem mais lugar do que lhes é devido. Assim, quanto mais conhecê-las, melhor poderá dialogar com cada uma delas e encontrar os espaços e momentos mais adequados, de maneira que aos poucos todas possam ficar tranquilas, bem alimentadas. O que aos poucos pode tornar essa casa mais humana, mais plural.


Espero que essa brincadeira com a governanta tenha te ajudado a refletir. A ideia central aqui é pensar os sentimentos/forças como visitas, que mesmo indesejadas, fazem parte da nossa existência e que quanto mais conhecidas se tornarem, mais transformações podem fazer em nós, permitindo mais espaço interno e um fluxo mais leve de vida.


No fim das contas, apenas o autoconhecimento nos permitirá nos desmisturar dessas forças. O trabalho contínuo e constante, sem pílula mágica :)


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