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Equilíbrio de Opostos

Atualizado: 6 de jan. de 2023

Conceitos Junguianos


Este texto foi extraído da minha monografia de conclusão de curso em arteterapia. Aqui, reuni alguns trechos para refletirmos sobre a necessidade de equilíbrio das polaridades feminina e masculina, a partir da visão junguiana.


A questão dos opostos pode ser observada a partir de uma vastidão de pares com os quais a humanidade necessita lidar desde tempos imemoriais: seco/molhado, quente/frio, consciente/inconsciente, superior/inferior, espírito/corpo, céu/terra, feminino/masculino, sol/lua, entre outros. O par que suscita maiores questões para a psique humana é o feminino/masculino. “Na história da humanidade, a diferenciação do homem e da mulher está entre as mais precoces e impressionantes projeções de opostos. ” (NEUMANN, 2000, p. 9)


O masculino é um princípio ativo, ligado ao Logos, à razão, à consciência. É responsável pela criação de leis, ordem, separação, aos aspectos pragmáticos. Já o feminino representa Eros, um princípio passivo/receptivo, que cria relação, ligação, aproximação, muito mais ligado ao inconsciente, e consequentemente, ao que é irracional. “Segundo a concepção da religião taoísta, o tao se divide num par de opostos fundamental, yang e yin. Yang é calor, luz, masculinidade. Yin é frio, escuridão, feminilidade. Yang também é céu, yin é terra. ” (JUNG, 2013, p. 195)


Os movimentos de supervalorização da razão e desconexão da natureza parecem apresentar um pano de fundo em comum: a dominação do princípio masculino sobre o feminino. Esse processo inicia-se com o desligamento do homem da natureza, que é feminina, e valorização de si mesmo, identificando-se como senhor absoluto, superior ao que é natural, a todos os animais, plantas e mistérios existentes. Surge então a sociedade patriarcal, em que a Razão é extremamente valorizada, negando tudo o que é irracional, sensível ou oculto, ou seja, o feminino.


A repressão do feminino, no entanto, não tem consequências apenas para a mulher, mas para a humanidade toda. A sensação da perda da alma com que o homem se depara hoje e a profunda crise interior é consequência desse processo. Quanto mais unilateral for a atitude consciente, mais baixa e banal será a feminilidade compensatória no inconsciente, dominando o homem de maneira aterradora.


A mudança necessária parte principalmente do ser humano entender que essa identificação polarizada que identifica, simplesmente, a mulher com o feminino e o homem com o masculino não está correta. Ambos princípios se encontram dentro de cada ser humano, com a diferença de que para o homem, a parte feminina é inconsciente e para a mulher, a masculina. Para essas figuras, Jung deu o nome de anima e animus, respectivamente.


Quando em desequilíbrio, o homem vive um processo chamado “possessão de anima”, o feminino que o domina, levando-o ao descontrole. Por não dominar esse feminino são criadas intensas projeções sobre a mulher, fenômeno constante na sociedade patriarcal.


O resultado desta postura patriarcal unilateral, demonstrável em todos os setores da vida, é um homem não integrado que é atacado por seu lado reprimido e em muitas oportunidades sobrepujado por ele. Isto transpira não apenas no destino do homem individual como sedução por uma anima “inferior”, mas igualmente por meio da sedução de uma ideologia compensatória, por exemplo, o materialismo, ao qual os homens “de espírito” são especialmente suscetíveis. (NEUMANN, 2000, p. 254)


Como mencionado acima, há alguns séculos a mulher tem conquistado espaço na sociedade patriarcal, através da conquista de direitos, ingresso no mercado de trabalho, participação na vida social e política. No entanto, atualmente, a mulher busca mais do que isso, a mulher necessita tornar-se mulher, recuperar toda a feminilidade da qual foi privada ao longo da história. Como a psique que funciona de maneira compensatória, equilibrando os processos inconscientes e conscientes, assim também é o universo e a evolução humana. A lei que regula este processo é chamada enantiodromia:


um rosto metade homem metade mulher
somos um

O velho Heráclito, que era realmente um grande sábio, descobriu a mais fantástica de todas as leis da psicologia: a função reguladora dos contrários. Deu-lhe o nome de enantiodromia (correr em direção contrária), advertindo que um dia tudo reverte em seu contrário. (JUNG, 1987)


Assim, nenhuma polaridade permanece reprimida por muito tempo, a psique individual e o coletivo buscam por equilíbrio. A sociedade patriarcal, guiada pela Razão, encontra-se desgastada, esse período está chegando ao fim, não há possibilidade de progredir dessa maneira.


É preciso que se encontre uma nova forma, um novo paradigma, para que a humanidade possa sonhar com uma sociedade harmônica, com o que chamamos de futuro. Nesse momento, o princípio feminino clama por emergir, a necessidade de o recuperarmos e a força com que ele está irrompendo na psique principalmente das mulheres é evidente. Pode-se observar esse movimento nos grupos de mulheres cada vez mais unidos, numa busca pela recuperação do que é seu, da sabedoria ancestral, do amor, dos ciclos sagrados, de uma maior harmonização com a natureza. Nas palavras de Jung:


Certamente a mulher de hoje está preocupada, no fundo de si mesma,

com esse problema. E assim manifesta nela a tendência cultural geral

de nossa época: a urgência do desenvolvimento integral do ser humano,

uma aspiração por sentido e plenitude, uma crescente aversão pela

absurda parcialidade, pela instintividade inconsciente e pela cega

contingencia. [...] A mulher está cada vez mais consciente de que só o

amor pode dar-lhe satisfação plena, assim como o homem está

começando a perceber que só o espirito é capaz de dar à sua vida o mais

elevado sentido. E ambos, no fundo, buscam a relação psíquica, porque

o amor precisa, para completar-se, do espírito, e o espírito do amor.

(2007, p.126)


Por sermos seres bissexuais, é necessário que esse princípio irrompa e seja desenvolvido também na psique masculina. Para que haja o despertar de uma nova consciência, para que essa crise seja superada e novos paradigmas possam ser conquistados é imprescindível o reconhecimento de ambos princípios (masculino e feminino) que cada um possui dentro de si, deixando-se de projetá-los no outro e integrando-os em cada consciência.


Apenas com o equilíbrio é possível a cura, inicialmente em cada sujeito e então para a sociedade toda. “A doença da dissociação de um mundo é ao mesmo tempo um processo de cura ou, melhor, é um ponto alto da gravidez, traduzido pelas dores do parto. Um tempo de dissociação, como o do Império Romano, é também uma época de nascimento. ” (JUNG, 2007, p.135)


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