A Função Inferior
Na escrita de hoje, decidi trazer um pouco sobre a Função Inferior. Dentro da teoria junguiana, especificamente no livro Tipos Psicológicos, Jung nos apresenta o conceito das quatro funções psicológicas. Farei uma breve explicação dessa ideia para chegarmos à função inferior.
Essas quatro funções psíquicas somadas a dois tipos de atitudes nos dizem sobre o funcionamento psíquico, ou seja, como que nos relacionamos com o mundo e com as coisas deste mundo. É muito interessante observar esse tipo de teoria, pois nos ajuda a compreender tanto o outro, como a nós mesmos, no sentido em que podemos perceber que o outro funciona de uma forma diferente e assim ter mais aceitação.
Em primeiro lugar, Jung nos fala sobre dois tipos de atitudes básicas que a psique possui: a introversão e a extroversão. Na atitude extrovertida, a energia flui em direção ao objeto e apenas inconscientemente volta-se ao sujeito. Já na introversão flui em direção ao sujeito, ou seja, os objetos tornam-se opressores, querendo afetá-la, logo, ela busca afastar-se. Já as funções psíquicas seriam: sensação, intuição, pensamento e sentimento. Duas delas são funções racionais, opostas entre si: pensamento e sentimento. Já as funções irracionais são intuição e sensação.
Em nosso processo natural de adaptação, uma função é principalmente desenvolvida. Nós tendemos a fazer com maior frequência o que fazemos bem e evitar aquilo que não somos tão bons. Assim, seja o que é valorizado e estimulado pelo nosso ambiente, seja uma função inata em nós ou as duas coisas ao mesmo tempo, uma função superior se forma. Além disso, uma função auxiliar também se desenvolve como suporte. Porém, nessa tendência de reforço unilateral, o padrão oposto lentamente vai se degenerando. Vamos deixando aquilo que não é tão bom de lado e nos reforçando em um enquadramento.
Em outros casos, no entanto, pode haver conflito entre uma função inata e o que o ambiente valoriza. Uma criança, que tenha o sentimento como possível função principal, mas cresce num ambiente altamente intelectualizado, pode não desenvolver nenhuma das funções em plena potência. Isso pode ser bom, pois não leva à unilaterização e uma indiferenciação tão grande da função inferior, mas também pode não permitir o desenvolvimento de sua plena potência interior.
Apesar de ser natural evitarmos aquilo que não somos bons, temos que ter cuidado para não seguir sempre terceirizando nossa função inferior.
Isso é muito comum no casamento, por exemplo, um homem com uma função sensação forte pode ficar responsável pela decoração/ambientação e a mulher intuitiva nem precisa participar do processo ou se preocupar com isso. Assim, ela não entra em contato com a função inferior. Em certa medida, isso vai ocorrer, mas é importante que em algum momento ela olhe para a decoração e entre em contato com isso para entrar em contato com parte dela própria.
Ao longo de nosso processo de desenvolvimento, especialmente na metanóia ou metade da vida, essa função irá reivindicar seu espaço. Faz parte da enantiodromia e da nossa busca, consciente ou inconsciente, por totalidade.
E então nos perguntamos: quem é essa tal função inferior?
Segundo Marie von Franz, no livro A Função Inferior: “observa-se que a função inferior tende a comportar-se como o herói tolo, o bobo divino ou o herói idiota. Ele representa a parte desprezada da personalidade, a parte ridícula e inadaptada, mas simboliza também a parte que constrói a conexão com o inconsciente, retendo portanto a chave secreta da totalidade inconsciente da pessoa.
Podemos ver essa função como aquele nosso lado meio infantil, meio primitivo. Aquilo dentro de nós, que não está adaptado e portanto, é tanto sombrio quanto mágico. Aquela nossa parte que quando realiza algo nem entendemos como aquilo aconteceu, mas ninguém pode falar sobre o que foi feito porque nos atinge de modo muito intenso. Qualquer coisa que é dita sobre a função inferior nos leva a nos sentir agredidos e agimos de maneira bastante irracional. Sendo assim, podemos observar que há uma grande carga de conteúdo emocional na função inferior e portanto, há também energia vital.
Esse ponto é muito importante, porque naqueles momentos de inadaptação, quando algo já não está mais funcionando, um estado mais depressivo se abate ou quando sentimos que já chegamos no limite/fim/esgotamento de um modelo, muitas vezes é em nossa função inferior que está a resposta.
O ouro que encontramos na lama, naquilo que deixamos de lado. Tudo lá é intenso, divino, diferente, porém é inadaptado. Então é sempre cuidadoso o processo de entrarmos em contato com esse mundo em nós, pois não o conhecemos bem e nossa função superior, normalmente, vai lutar contra ou distorcer.
Quando surge essa quarta função, a inferior, toda a estrutura desmorona.
É impossível simplesmente levá-la ao nível das demais funções: “Tentar pescá-la é como tentar trazer para o consciente todo o inconsciente coletivo.” Ela tomaria tudo para si e retornaríamos a uma completa confusão inconsciente, mas apenas seguir negando-a também não é o caminho. O que fazer então? A ideia é humildemente descer com as outras funções juntas para o nível inferior, isso cria um novo estágio, onde não se está em nenhuma delas, mas num todo, em que o novo pode surgir. Uma forma diferente de se relacionar com a vida.
Apenas o autoconhecimento e o aprofundamento em nosso mundo interior pode ir nos guiando por esse caminho. Permitimo-nos conhecer o bobo que mora em nós, deixá-lo se comunicar, participar de algumas situações, reconhecê-lo, mas sem a intenção de domá-lo.
Ele é natureza, primitivismo, aquilo maior que nós. Um caminho para se descobrir qual a sua função inferior é observar o que é o inferno para você? O que te parece um obstáculo tão grande como um inferno? Onde está seu maior sofrimento? E ir se observando e lembrando que isso é para você e não necessariamente para o outro. Ficar com o que é seu, pintar esses sentimentos, cantar… conversar com seus aspectos interiores e caminhar pela sua jornada. ;)
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